sábado, 22 de fevereiro de 2014

1a. Lição: Introdução

1. RETROSPECTIVA HISTÓRICA DA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS NO BRASIL
A educação de jovens e adultos é necessariamente considerada como parte integrante da história da educação no país, como uma das arenas mais importantes aonde vem se empreendendo esforços para a democratização do acesso ao conhecimento. Nesse sentido se faz necessário iniciar o presente curso fazendo uma revisão histórica das políticas educacionais que marcaram o seu desenvolvimento, discorrendo sobre os principais fatos que ocorreram nas décadas , a começar pela de 30 , até os dias atuais.
1.1. As Políticas Educacionais voltadas para a Educação de Jovens e Adultos
A educação básica de adultos começou a delimitar seu lugar na história da educação no Brasil a partir da década 30, quando finalmente começa a se consolidar um sistema público de educação elementar no país. Neste período a sociedade brasileira passava por grandes transformações, associada ao processo de industrialização e concentração populacional em centros urbanos, a oferta do ensino básico gratuito estendia-se consideravelmente, abrangendo setores sociais cada vez mais diversos.
A ampliação da educação elementar foi impulsionada pelo governo federal, mais precisamente a partir da experiência encabeçada por Anísio Teixeira, segundo explica PAIVA(1987, p. 172)
...a educação de adultos começa assumir importância desde o início dos anos vinte (20), embora englobada no problema mais geral da difusão do ensino elementar. A primeira manifestação importante que anuncia o desvinculamento da educação elementar é o Convênio Estatístico de 1931 no qual se inclui a categoria ensino supletivo. Por outro lado, a experiência do Distrito Federal chamou atenção para importância desse campo de atuação educativa.
A partir dessa experiência o Governo Federal passou a traçar diretrizes educacionais para todo o país, determinando as responsabilidades dos estados e municípios. Tal movimento inclui esforços articulados nacionalmente de extensão do ensino elementar aos adultos, especialmente nos anos 40.
Com o fim da ditadura de Vargas em 1945, o país vivia a efervescência política da redemocratização. A segunda guerra mundial recém terminara e a ONU - Organização das Nações Unidas – alertava para a urgência de integrar os povos visando à paz e a democracia. Tudo isso contribuiu para que a educação de adultos ganhasse destaque dentro da preocupação geral com a educação elementar comum. Era urgente a necessidade de aumentar as bases eleitorais para a sustentação do governo central, integrar as massas populacionais de imigração recente e também aumentar a produção. Esse fato está de acordo com a afirmação de VIEIRA(1987, p. 77):
... a educação em cada fase da evolução histórica é sempre um produto cultural da sociedade, reflete os interesses nela dominantes, o que (para a sociedade onde há diversas classes) significa: preponderantemente os interesses daqueles que tem a direção da comunidade.
Nesse período a educação de adultos define sua identidade tomando a forma de uma campanha nacional de massa, a Campanha de Alfabetização de Adolescentes Adultos - CAAA, lançada em 1947. Pretendia-se, numa primeira etapa, uma ação extensiva que previa a alfabetização em três meses, e mais a condensação do curso primário em dois períodos de sete meses. Conforme PAIVA(1987, p. 189-190), seguiria depois uma “ação em profundidade”, voltada à capacitação profissional e ao desenvolvimento comunitário. Nos primeiros anos , sob a direção do professor Lourenço Filho, a campanha conseguiu resultados significativos, articulando e ampliando os serviços já existentes e estendendo-os às diversas regiões do país. Num certo período de tempo, foram criadas várias escolas
supletivas, mobilizando esforços das várias esferas administrativas de profissionais e voluntários. O clima de entusiasmo começou a diminuir na década de 50, iniciativas voltadas à ação comunitária em zonas rurais, tentadas através da Campanha Nacional de Educação Rural – CNER, não tiveram o mesmo sucesso e a campanha se extinguiu no final da década, caracterizando-se fundamentalmente pelo seu aspecto extensivo. Ainda assim, sobreviveu uma rede de ensino supletivo por meio dela implantada assumida pelos estados e municípios.
A instauração dessa campanha deu lugar também à conformação de um campo teórico-pedagógico orientado para a discussão sobre o analfabetismo e a educação de adultos no Brasil. Nesse momento o analfabetismo era concebido como causa e não efeito da situação econômico, social e cultural do país. Essa concepção legitimava a visão do adulto analfabeto como incapaz e marginal identificado psicológica socialmente com a criança. Uma professora, encarregada de formar os educadores da Campanha, usava as seguintes palavras para descrever o adulto analfabeto, segundo PAIVA(1987, p. 185-186)
... Dependente do contato face a face para o enriquecimento de sua experiência social, ele tem, que por força sentir-se uma criança grande, irresponsável e ridícula [...]. E se tem as responsabilidades do adulto, manter a família e uma profissão, ele fará em plano deficiente. [...]. O analfabeto onde se encontre será um problema de definição social quanto aos valores: aquilo que vale para ele é sem mais valia para os outros e se tornam pueril para os que dominam o mundo das letras. [...] inadequadamente preparado para exercer as atividades da vida adulta [...] ele tem que ser posto à margem como elemento sem significação nos empreendimentos comuns. Adulto criança como crianças eles tem que viver num mundo de egocentrismo que não lhe permite ocupar os planos em que as decisõescomuns são tomadas. ...
Durante a própria campanha essa visão modificou-se, foram descompactando-se as vozes dos que superavam esse preconceito reconhecendo o adulto analfabeto como ser produtivo, capaz de raciocinar e resolver seus problemas. Para tanto contribuíram teorias mais modernas da psicologia, que desmentiam postulados anteriores de que a capacidade de aprendizagem dos adultos seria menor do que a das crianças. Já em artigo de 1945 Lourenço Filho argumentara nesse sentido, lançando mão de estudos da psicologia experimental lançada nos Estados Unidos nas décadas de 20 e 30.
A confiança na capacidade de aprendizagem dos adultos e a difusão de um método de leitura conhecido comoLaubach inspirou a iniciativa do Ministério da Educação de produzir pela primeira vez, por ocasião da campanha de 47, material didático específico para o ensino da leitura e da escrita para os adultos.
O primeiro guia de leitura, distribuído em larga escala pelas escolas supletivas do país, orientava o ensino pelo método silábico. As lições partiam de palavras-chave selecionadas e organizadas segundo suas características fonéticas. A função dessas palavras era remeter aos padrões silábicos, este sim o foco do estudo. As sílabas deveriam ser memorizadas e remontadas para formar outras palavras. As primeiras lições também tinham algumas frases montadas com as mesmas sílabas. Nas lições finais as frases compunham pequenos textos contendo orientações sobre a preservação da saúde, técnica simples de trabalho e mensagens do moral e civismo.
A CAAA, ao contrário de seu fundamento político, parece ter contribuído para o enfraquecimento de algumas oligarquias tradicionais na medida em que muitos novos eleitores escaparam ao controle dos “currais eleitorais” dominantes, fortalecendo as discordâncias oligárquicas – em geral mais abertas, pelo seu próprio caráter de oposição – e possibilitando a desobediência eleitoral aos líderes. Se ela não “educou” muitos adultos, de acordo com as exigências de muitos educadores, ela seguramente alfabetizou ou semialfabetizou um número significativo de pessoas que entraram de posse de seus direitos políticos e o predomínio desse seu fundamento político sobre os aspectos técnico-educativos é que deu origem a sucessivas acusações de que o programa se havia transformado numa “fábrica de eleitores”.
Dentre as causas de seu fracasso, pode-se destacar a falta de pagamento aos professores, estes recebiam uma quantia irrisória, consequentemente só conseguiam atrair para seus quadros os mais desqualificados, causando com isso, índices cada vez maiores de evasão. Outras críticas também estavam voltadas para a falta de investimentos em espaços físicos adequados, ou para aquisição de material escolar. Assim como também, o material didático era considerado pouco adequado aos adultos nas várias regiões brasileiras.
Contudo, tais campanhas, tanto a CEAA e ligada a ela a CNER, lançadas no final dos anos 40 e início dos anos 50, só sobreviveram até 1963, quando foi lançada uma outra também extensiva orientada pelo método de Paulo Freire.
1.2. Alfabetização Conscientizadora

No final da década de 50, como pode-se observar, as críticas à Campanha de Educação de Adolescentes e Adultos dirigiam-se tanto às suas deficiências administrativas e financeiras quanto sua orientação pedagógica. Denunciava-se o caráter superficial do aprendizado que se efetivava no curto período de alfabetização, a inadequação do método para a população adulta e para as diferentes regiões do país. Todas essas críticas convergiam para uma nova visão sobre o problema do analfabetismo e para a consolidação de um novo paradigma pedagógico para a educação de adultos, cuja referência principal foi o educador Paulo Freire.
O pensamento pedagógico de Paulo Freire, assim como sua proposta pedagógica de alfabetização de adultos, inspirou os principais programas de alfabetização e educação popular que se realizaram no país no início dos anos 60. Esses programas foram empreendidos por estudantes, intelectuais e católicos engajados numa ação política junto aos grupos populares. Desenvolvendo e aplicando essas novas diretrizes, atuaram os educadores do MEB – Movimento de Educação de Base, ligado à CNBB – Conferencia Nacional dos Bispos do Brasil, dos CPCs –Centros de Cultura Popular, organizados pela UNE – União Nacional dos Estudantes, dos Movimentos de Cultura Popular que reuniam artistas intelectuais e tinham apoio de administrações municipais. Esses diversos grupos de educadores foram se articulando e passaram a pressionar o governo federal para que os apoiassem e estabelecesse uma coordenação nacional das iniciativas. Em janeiro de 1964, foi aprovado o plano nacional de alfabetização orientado pela proposta de Paulo Freire. A preparação do plano, com forte engajamento dos estudantes, sindicatos e diversos grupos estimulados pela efervescência política da época, seria interrompida alguns meses depois pelo golpe militar.
O paradigma pedagógico que se constituiu nessas práticas baseava-se num novo entendimento da relação entre a problemática educacional e a problemática social. Antes apontado como causa da pobreza e da marginalização, o analfabeto passou a ser interpretado como efeito da situação de pobreza gerada por uma estrutura social não igualitária. Era preciso, portanto, que o processo educativo interferisse na estrutura social que produzia o analfabetismo. A alfabetização e a educação de base dos adultos deveriam partir sempre de um exame crítico da realidade existencial dos educandos, da identificação da origem de seus problemas e das possibilidades de superá-los, pois segundo FREIRE (1980, p. 35): ...” A educação não é um instrumento válido se não estabelece uma relação dialética com o contexto da realidade na qual o homem está radicado”.

Além dessa dimensão social e política os ideais pedagógicos que se difundiam tinham um forte componente ético, implicando um profundo comprometimento do educador com os educandos. Os analfabetos deveriam ser reconhecidos como homens e mulheres produtivos, que possuíam cultura. Dessa perspectiva, criticou a educação bancária, que considerava o analfabeto pária e ignorante, uma espécie de gaveta vazia onde o educador deveria depositar conhecimento. Tornando o educando como sujeito de sua aprendizagem, Freire propunha uma ação educativa que não negasse sua cultura, mas que a fosse transformando através do diálogo, contudo FREIRE afirmava (1980, p.60): “O diálogo é um encontro entre os homens, mediatizados pelo mundo,” para designá-lo. Na época ele referia-se a uma consciência ingênua ou intransitiva, herança de uma comunidade fechada, agrária e oligárquica, que deveria ser transformada em consciência crítica, necessária ao engajamento ativo no desenvolvimento político e social da nação.
O referido autor elaborou uma proposta de alfabetização de adultos conscientizadora, cujo princípio básico pode ser traduzido numa frase que ficou célebre: FREIRE,(1992, p. 12) “A leitura do mundo precede a leitura da palavra”. Prescindindo da utilização de cartilhas, desenvolveu um conjunto de procedimentos pedagógicos que ficou conhecido como método Paulo Freire. Ele previa uma etapa preparatória quando o alfabetizador deveria fazer uma pesquisa sobre a realidade existencial do grupo junto ao qual deveria atuar. Concomitantemente, faria um levantamento do seu universo vocabular, ou seja, das palavras utilizadas pelo grupo para expressar essa realidade.
Antes de entrar no estudo dessas palavras geradoras, Paulo Freire propunha ainda um momento inicial em que o conteúdo do diálogo educativo girava em torno do conceito antropológico de cultura, ou seja, a aquisição da cultura como aquisição sistemática da experiência humana. Utilizando uma série de abstrações (cartazes ou slides) o educador deveria dirigir uma discussão na qual fosse sendo evidenciado o papel ativo dos homens como portadores de cultura: a cultura letrada e não letrada, o trabalho, a arte, a religião, os diferentes padrões de relacionamento e sociabilidade. O objetivo era, antes mesmo de iniciar o aprendizado da escrita, levar o educando a assumir-se como sujeito de sua aprendizagem, como ser capaz e responsável. Tratava-se também de ultrapassar uma compreensão mágica da realidade e desmistificar a cultura letrada, na qual o educando estaria se iniciando. Depois de cumprida essa etapa, iniciava-se o estudo das palavras geradoras, que também eram apresentadas junto com cartazes contendo imagens referentes às situações existenciais a elas relacionadas. Com cada gravura desencadeava-se um debate em torno do tema e só assim a palavra escrita era analisada em suas partes componentes: as sílabas. Em fim era apresentado um quadro com as famílias silábicas com as quais os educandos deveriam montar novas
palavras.
Com um elenco de dez a vinte palavras geradoras, acreditava-se conseguir alfabetizar um educando em seis meses, ainda que num nível elementar. Numa etapa posterior, as palavras geradoras seriam substituídas por temas geradores, a partir dos quais os alfabetizandos aprofundariam a análise de seus problemas, preferencialmente já se engajando em atividades comunitárias ou associativas.
Nesse período foram produzidos diversos materiais de alfabetização orientados por esses princípios. Normalmente elaborados regionais ou localmente, procurando expressar o universo vivencial dos alfabetizandos, esses materiais continham palavras geradoras acompanhadas de imagens relacionadas a temas para debate, o quadro de descobertas com as sílabas derivadas das palavras, acrescidas de pequenas frases para leitura. O que caracterizava esses materiais era não apenas a referência à realidade imediata dos adultos, mas principalmente a intenção de problematizar essa realidade. Essa campanha foi sucedida por outra também de grande ação extensiva: O MOBRAL.
1.3. O MOBRAL e a Educação Popular

O Movimento Brasileiro de Alfabetização - MOBRAL surgiu como um prosseguimento das campanhas de alfabetização de adultos iniciadas com Lourenço Filho. Só que com um cunho ideológico totalmente diferenciado do que vinha sendo feito até então. Apesar dos textos oficiais negarem, sabe-se que a primordial preocupação do MOBRAL era tão somente fazer com que os seus alunos aprendessem a ler e a escrever, sem uma preocupação maior com a formação do homem.
Foi criado pela Lei número 5.379, de 15 de dezembro de 1967, propondo a alfabetização funcional de jovens e adultos, visando conduzir a pessoa humana a adquirir técnicas de leitura, escrita e cálculo como meio de integrá-la à sua comunidade, permitindo melhores condições de vida. Apesar da ênfase na pessoa, ressaltando-a, numa redundância, como humana (como se a pessoa pudesse não ser humana!), vê-se que o objetivo do MOBRAL relaciona a ascensão escolar a uma condição melhor de vida, deixando à margem a análise das contradições sociais inerentes ao sistema capitalista. Ou seja, basta aprender a ler, escrever e contar que estará apto a melhorar de vida.
O MOBRAL assume a educação como investimento, qualificação de mão-de-obra para o desenvolvimento econômico. A atividade de pensar proposta é direcionada para motivar e preparar o indivíduo para o desenvolvimento, segundo o Modelo Brasileiro em vigor no período estudado de 1970 a 1975. Sendo assim, não pode visar reflexão radical da
realidade existencial do alfabetizando porque é por em perigo seus objetivos.
O método do MOBRAL não parte do diálogo, pois concebe a educação como investimento, visando a formação de mão-de-obra com uma ação pedagógica pré-determinada. Isso faz impedir a horizontalidade elite e povo, colocando a discussão só nos melhores meios para atingir objetivos previamente estabelecidos pela equipe central.
O momento pedagógico proposto é autoritário, porque ele (MOBRAL) acredita que sabe o que é melhor para o povo, trazendo com isso a descrença, a falta de fé na historicidade do povo na sua possibilidade de construir um mundo junto com a elite.
Codificações, palavras geradoras, cartazes com as famílias fonéticas, quadros ou fichas de descoberta e material complementar está presente na sua pedagogia, o que vem a ser o modelo de Paulo Freire.
Mas na pedagogia de Paulo Freire há uma equipe de profissionais e elementos da comunidade que se vai alfabetizar, para preparação do material, obedecendo aos seguintes passos:
 
a. levantar o pensamento-linguagem a partir da realidade concreta;
b. elaborar codificações específicas para cada comunidade, a fim de perceber aquela realidade e;
c. dessa realidade destaca-se e escolhe as palavras geradoras. Todo material trabalhado é síntese das visões de mundo dos educadores/educando. No MOBRAL não se executa essa primeira etapa. As codificações elaboradas são para todo o Brasil, tanto quanto as palavras geradoras. Trata-se fundamentalmente de ensinar a ler, escrever, contar e não a busca da síntese das visões de realidade elite/povo. Aqui a visão de mundo apresentada é a da equipe central, uniforme para as várias regiões do país.
A metodologia de alfabetização do MOBRAL não se diferenciava sobremaneira do método proposto por Paulo Freire. Parece mesmo que os planejadores do MOBRAL copiaram uma série de procedimentos do educador nordestino perseguido pelo sistema imposto. A diferença estava, e muito nítida, na visão do homem. Paulo Freire idealizou a palavra geradora como marco inicial de seu processo de alfabetização e o MOBRAL também.
Só que existia uma pequena, sutil e marcante diferença: no método de Paulo Freire, a palavra geradora era subtraída do universo vivencial do alfabetizando, enquanto no MOBRAL esta palavra era imposta pelos tecnocratas a partir de um estudo preliminar das necessidades humanas básicas. Em Paulo Freire a educação é conscientização. É reflexão rigorosa e conjunta sobre a realidade em que se vive, de onde surgirá o projeto de ação. A palavra geradora de Paulo Freire era pesquisada com os alunos. Assim, para o camponês, as palavras geradoras poderiam ser enxada, terra, colheita, etc.; para o operário poderia ser tijolo, cimento, obra, etc.; para o mecânico poderiam ser outras e assim por diante.
Já no MOBRAL esta palavra era imposta a partir da definição dos tecnocratas de zona sul do Rio de Janeiro . Assim, pode-se afirmar que o método de Paulo Freire foi refuncionalizado “como prática, não de liberdade, mas de integração ao 'Modelo Brasileiro' ao nível das três instâncias: infra-estrutura, sociedade política e sociedade civil”(FREITAG, 1986, p. 93).
Mas não foi só de Paulo Freire que o MOBRAL tirou inspiração para criar seus programas. Também do extinto programa do MEB, quando se conveniou com o Projeto Minerva, desenvolvido pelo Serviço de Radiodifusão Educativa do Ministério da Educação e Cultura. Conveniou-se inclusive com o próprio MEB, que passou a se servir das cartilhas do MOBRAL, já que as suas (do MEB) eram subversivas, para continuar realizando seu trabalho de alfabetização.
A própria descrição dos fatos já falariam por si mesmo. Mas o que fica de marcante é que, aproveitando-se do já dito por FURTER (1975, p. 59) “a alfabetização e a educação de massa tanto podem ser fatores de libertação como de dominação”. Metodologicamente as diferenças entre o método proposto por Paulo Freire e pelo MOBRAL não têm diferenças substanciais.
A diferença é marcada pelo referencial ideológico contido numa prática e noutra. Enquanto Paulo Freire propunha a educação como prática da liberdade, o projeto pedagógico do MOBRAL propunha intrinsecamente o condicionamento do indivíduo ao status quo.
O projeto MOBRAL permite compreender bem esta fase ditatorial por que passou o país. A proposta de educação era toda baseada aos interesses políticos vigentes na época. Por ter de repassar o sentimento de bom comportamento para o povo e justificar os atos da ditadura, esta instituição estendeu seus braços a uma boa parte das populações carentes, através de seus diversos Programas.
No ano de 1977 a sua receita foi de Cr$ 853.320.142,00 para atender a 342.877 mil pessoas, o que permite saber que o custo per capita foi de Cr$ 2.488,00. Os custos financeiros do MOBRAL eram muitos altos. Para financiar esta superestrutura o MOBRAL recebia recursos da União, do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação, 2% do Imposto de Renda e ainda um percentual da Loteria Esportiva.
O MOBRAL pode ser considerado como uma instituição criada para dar suporte ao sistema de governo vigente. Como Aparelho Ideológico de Estado,  o MOBRAL teve uma atuação perfeita. Esteve onde deveria estar para conter qualquer ato de rebeldia de uma população que, mesmo no tempo do milagre econômico, vivia na mais absoluta miséria.
Mas a recessão econômica a partir dos anos 80 veio inviabilizar o MOBRAL que sugava da nação altos recursos para se manter ativa. Seus Programas foram incorporados pela Fundação Educar.
1.4. Conferências Internacionais e a legalidade da EJA
Até a segunda guerra mundial a educação popular era concebida como uma extensão da Educação formal para todos, sobretudo para os menos privilegiados que habitavam as áreas das zonas urbanas e rurais.
Após a I Conferência Internacional de Adultos, realizada na Dinamarca, em 1949, a Educação de Adultos tomou outro rumo, sendo concebida como uma espécie de Educação Moral. Dessa forma, a escola, não conseguindo superar todos os traumas causados pela guerra, buscou fazer um “paralelo” fora dela, tendo como finalidade principal contribuir para o resgate do respeito aos direitos humanos e para a construção da paz duradoura.
A partir da II Conferência Internacional de Jovens e Adultos em Montreal, no ano de 1963, a educação de Adultos passou a ser vista sob dois enfoques distintos: como uma continuação da educação formal, permanente e como uma educação de base ou comunitária.
Depois da III Conferência Internacional de Educação de Jovens e Adultos em Tóquio no ano de 1972, a educação de Adultos volta a ser entendida como suplência da Educação Fundamental. Um pouco antes dessa época, pela primeira vez, a legislação educacional através da Lei de Reforma nº 5692/71 atribui um capítulo destinado a esse público.(1988, p.33-34)

Capítulo IV
Do Ensino supletivo

Art. – O ensino supletivo terá como finalidade:
a) Suprir a escolarização regular para os adolescentes e adultos que não tenham seguido ou concluído na idade própria;
b)Proporcionar mediante repetida volta à escola, estudos de aperfeiçoamento ou atualização para os que tenham seguido o ensino regular no todo ou em parte. Parágrafo único – o ensino supletivo abrangerá cursos e exames a serem organizados nos vários sistemas de acordo com as normas baixadas pelos os respectivos Conselhos de Educação.
Art.25 – O ensino supletivo abrangerá, conforme as necessidades a atender, desde a iniciação no ensino de ler, escrever e contar e a formação profissional defendida em lei específica até o estudo intensivo de disciplinas do ensino regular e a atualização de conhecimentos.
$1º - Os cursos supletivos terão estrutura, duração e regime escolar que se ajustem às suas finalidades próprias e ao tipo de especial de aluno a que se destinam.
$2º - Os cursos supletivos serão ministrados em classes ou mediante a utilização de rádio, televisão, correspondência e outros meios de comunicação que permitam alcançar o maior número de alunos.
Art.26 – Os exames supletivos compreenderão a parte do currículo resultante do nucleo-comum, fixado pelo Conselho Federal de Educação, habilitando ao prosseguimento de estudos em caráter regular, e poderão quando realizados para o exclusivo efeito de habilitação profissional de 2º grau,abranger somente o mínimo estabelecido pelo mesmo Conselho.
$1º - Os exames a que se refere a este artigo deverão realizar-se:
Ao nível de conclusão do ensino de 1º grau, para os maiores de 18 anos;
Ao nível de conclusão de 2º, para os maiores de 21 anos;
$2º - Os exames supletivos ficarão a cargo de estabelecimentos oficiais ou reconhecidos, indicados nos vários sistemas, anualmente, pelos respectivos Conselhos de Educação.
$3º - Os exames supletivos poderão ser unificados na jurisdição de todo um sistema de ensino,ou parte deste, de acordo com as normas especiais baixadas pelo respectivo Conselho de Educação.
Art.27 - Desenvolver-se-ão, ao nível de uma ou mais das quatro últimas séries do ensino de 1º grau, cursos de aprendizagem, ministrados a alunos de 14 a 18 anos, em complementação da escolarização regular, e, a esse nível ou de 2º grau, cursos intensivos de qualificação profissional.
Parágrafo único – Os cursos de aprendizagem e os de qualificação darão direito a prosseguimento de estudos quando incluírem disciplinas, áreas de estudos e atividades que os tornem equivalentes ao ensino regular, conforme estabeleçam as normas de vários sistemas.
Art. 28 – Os certificados de aprovação em exames supletivos e os relativos a conclusão de cursos de aprendizagem qualificação serão expedidos pelas instituições que os mantenham.
A Lei Federal 5692/71 consagrara a extensão da educação básica obrigatória de 04 para 08 anos, constituindo o então ensino de primeiro grau e, concomitantemente, dispõe as regras básicas para o provimento de educação supletiva correspondente a esse grau de ensino aos jovens e adultos. Observando novamente, que pela primeira vez, a educação voltada para esse segmento mereceu um capítulo na legislação educacional distinguindo as várias
funções: a suplência - relativa à reposição de escolaridade, o suprimento – relativo ao aperfeiçoamento ou atualização, a aprendizagem e a qualificação – referentes à formação para o trabalho e profissionalização. Porém essa lei limitou a obrigatoriedade da oferta pública de ensino de primeiro grau apenas às crianças e adolescentes na faixa de 07 a 14 anos.
O direito mais amplo à educação básica só seria estendido aos jovens e adultos na Constituição Federal de 1988, que diz (1988,p.138) : Art. 208- “O dever do Estado com a educação só será efetivada mediante a garantia de: I – ensino fundamental obrigatório e gratuito, inclusive para os que não tiveram acesso na idade própria”.
Na década de 90 a EJA ganha mais um reforço com a promulgação das LDB (Lei das Diretrizes e Bases), Lei n.º 9394/96. Essa Lei assegurou aos jovens e adultos a oportunidade de continuarem seus estudos no ensino fundamental – com idade mínima de quinze anos, e médio - de dezoito anos, já que não tiveram acesso na idade própria, sendo consideradas suas características, seus interesses, condições de vida e de trabalho mediante cursos e exames, que compreenderam a base nacional comum do currículo, habilitando-os ao prosseguimento  nos estudos, conforme enuncia (1996, p.18):
Art. 37 - A educação de jovens e adultos será destinada àqueles que não tiveram acesso ou continuidade de estudos no ensino fundamental e médio na idade própria.
§ 1º Os sistemas de ensino assegurarão gratuitamente aos jovens e aos adultos, que não puderam efetuar os estudos na idade regular, oportunidades educacionais apropriadas, consideradas as características do alunado, seus interesses, condições de vida e trabalho, mediante cursos e exames.
§ 2º O Poder Público viabilizará e estimulará o acesso e a permanência do trabalhador na escola, mediante ações integradas e complementares entre si.
Art. 38 - Os sistemas de ensino manterão cursos e exames supletivos, que compreenderão a base nacional comum do currículo, habilitando ao prosseguimento de estudos em caráter regular.
§ 1º Os exames a que se refere este artigo realizar-se-ão:
I. no nível de conclusão do ensino fundamental, para os maiores de quinze anos;
II. no nível de conclusão do ensino médio, para os maiores de dezoito anos.
§ 2º Os conhecimentos e habilidades adquiridos pelos educandos por meios informais serão aferidos e reconhecidos mediante exames.
Conforme a proposta pedagógica elaborada para o segundo segmento do ensino fundamental, as Diretrizes Curriculares Nacional para a Educação de Jovens e Adultos, resolução CNE/CEB nº 1/2000, define a EJA como modalidade da Educação Básica e como direito do cidadão, afastando-se da ideia de compensação e suprimento e assumindo a de reparação, equidade e qualificação - que representa uma conquista e um avanço.
De acordo ainda com as Diretrizes, essa modalidade deve desempenhar três funções (MEC, 2002):
Função reparadora: não se refere apenas à entrada dos jovens e adultos no âmbito dos direitos civis, pela restauração de um direito a eles negado – o direito de uma escola de qualidade, mas também o reconhecimento da igualdade antológica de todo e qualquer ser humano a um bem real, social e simbolicamente importante. Mas não se pode confundir a noção de reparação com a de suprimento, Para tanto é indispensável um modelo educacional que crie situações pedagógicas satisfatórias para atender as necessidades de aprendizagem específicas de alunos jovens e adultos.
Função equalizadora: relaciona-se à igualdade de oportunidades, que possibilite oferecer aos indivíduos novas inserções no mundo do trabalho, na vida social, nos espaços da estética e nos canais de participação. A equidade é um espaço pelo qual os bens sociais são distribuídos tendo em vista maior igualdade, dentro de situações específicas. Nessa linha, a EJA representa uma possibilidade de efetivar um caminho de desenvolvimento a todas as
pessoas, de todas as idades, permitindo que jovens e adultos atualizem seus conhecimentos, mostrem habilidades troquem experiências e tenham acesso a novas formas de trabalho e cultura.
Função qualificadora: refere-se à educação permanente, com base no caráter incompleto do ser humano, cujo potencial de desenvolvimento e adequação pode se atualizar em quadros escolares ou não–escolares. Mais que uma função, é o próprio sentido da educação de jovens e adultos.
Dentro da década de 90, aconteceu ainda, a realização da 5ª Conferência Internacional de Jovens e Adultos (Confintea), sendo esta considerada um grande marco, realizada em julho de 1997, em Hamburgo, na Alemanha, e precedida por uma Conferência Regional Preparatória da América Latina e Caribe, (realizada no Brasil), em janeiro do mesmo ano.
A 5ª Confintea objetivava levar em consideração as conferências realizadas anteriormente, havendo a elaboração de documentos, demonstrando que a EJA deveria seguir novas orientações devido ao processo de transformações econômicas e culturais vivenciadas a partir das últimas décadas do século 20, levando em conta que o desenvolvimento das sociedades exige de seus membros capacidade de aprendizagens de forma global e permanente.
Nesse intuito foram propostos os quatro pilares educativos: aprender a ser, aprender a conhecer, aprender a fazer e aprender a conviver – sendo considerados estratégicos para o cidadão. Todas as orientações da Confintea priorizam principalmente a formação integral do ser humano.
Em outro momento, em Dacar, no Senegal, em abril de 2000, a Cúpula Mundial de Educação aprovou a declaração denominada Marco de Ação de Dacar, em que reafirma a declaração de Jomtien na Tailândia onde ocorreu a Conferência Mundial de Educação para Todos em 1990, segundo a qual, está citada na proposta Curricular do segundo segmento quinta a oitava série MEC (2002,p. 21):
[...] toda criança jovem e adulto tem direito humano de se beneficiar de uma educação que satisfaça suas necessidades básicas de aprendizagem, no melhor e mais pleno sentido do termo, e que inclua aprender a aprender, a fazer, a conviver e a ser. É uma educação que se destina a captar talentos e o potencial de cada pessoa e desenvolver a personalidade dos alunos, para que possam melhorar suas vidas e transformar suas sociedades [...] assegurar que as necessidades de aprendizagem de todos os jovens e adultos sejam atendidas pelo acesso eqüitativo à aprendizagem apropriada, à habilidade para a vida e a programas de formação para a cidadania.

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